domingo, 24 de março de 2013

#2

Hoje à noite, a cafeteira promove o único barulho que me faz companhia. Vou chamá-lo, meu par de outrora, Julião. Pois bem, Julião preparava café com água da torneira e usava como justificativa, toda vez, a temperatura atingida pela cafeteira. E, toda vez, eu tornava a explicar que a temperatura não era suficiente para ferver a água. Que se tomássemos, nós dois, aquele café com água de bica, poderíamos contrair uma doença qualquer, dessas que a gente estudou mas nem fala o nome porque já não lembra. Julião sorria para todas as minhas preocupações, zombava da minha veia dramática. Dizia, então: você tem dom para o palco. E, se é verdade que muitas vezes tomamos aquele mesmo café sem nunca cairmos doentes, talvez eu realmente tenha nascido para os holofotes. Ou estava certa o tempo inteiro, quanto ao ferver da água e todo resto, mas engolia a razão na mesma xícara, com um punhado de açúcar. Julião me trouxe, ao voltar da igreja, folhas de palmeiras num Domingo de Ramos. Tradição entre os cristãos. E eu, que nunca fui religiosa, aprendi a rezar. E eu, logo eu, que demorei tanto tempo me compondo, num instante ia me desfazendo naqueles lençóis entre cafés, pêlos e preces.

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